top of page

gustavo magalhães

artista visual

Exposição Individual

"A Pele da Pintura", MUMA - Museu Municipal de Arte, Curitiba/PR, 2025

você tem uma voz feminina

você é um pintor 

vive numa noite  tão antiga quanto o sol

obstinadamente, obsessivamente você procura a si 

na carne da matéria você é 

a imagem ainda sem pecado do primeiro homem

nas mãos carrega o grito 

a fome do recém-nascido

a pintura ainda nao havia criado o mundo


 

Prólogo

carregar a vida nas mãos

 

acorda
 

o café tem o gosto morno requentado da fronte larga da madrugada o pintor  olha    vê   

sobre a mesa tombados fita crepe, espátula, luva, pincel     a face vermelha do escalímetro 

encara  o vazio na marca da mordida 

na paleta uma maçã    ainda sem pecado   repousa 

nas mãos a fome de Cézanne

"A Carne da Imagem Sob a Pele da Pintura"

um poema de Fabrícia Jordão

I.

aprendeu com Sísifo a dar sentido e consequência ao trabalho que realiza     incansável     

se põe frente à  tela como Heitor se pôs diante de Aquiles   

todos os dias desafia o destino 

 

 

II.

seu compromisso, se tem, é apenas com sua pintura 

os pintores, assim como os deuses, não se justificam

 

 

III.

os silêncios esquecidos

como fósseis que habitassem um velho sol 

irrompem

a carne da imagem sobre a pele da pintura ouro vermelho 

marca ácida da desobediência de Prometeu 


 

IV.

no seu ateliê a tradição é autoridade como princípio 

não existe cânones intransponíveis 

o pintor pratica a anarquia dos deuses

 

V.

pintor protegido de Prometeu guarda em sua paleta a flor  roubada de Hefesto 

como um bárbaro mantém sob o seu jugo os destinos da imagem 

a pintura ainda não havia criado o mundo


 

VI.

com a obstinação de um etimologista         procura     

sob a pele da pintura     a imagem que antecedeu a criação do primeiro homem

na pedra antiga     imaculada    encara    

a força do destino 

também aqui é sua carne exposta 


 

VII.

o vermelho se deposita como um manto   no ateliê 

tudo já foi visto e revisto muitas vezes antes    

no retrato do retrato a imagem estrangeira 

surge, ressurge, escapa    a compreensão de si, a ignorância de si  


 

autoconsciência ou desejo?

VIII.

no monocromo vermelho

 

incorporada na cera de abelha 

 

ali onde a pintura respira     surge 

 

uma nova intimidade    das mãos   na carne úmida  

sob a pele da pintura     a força  de um novo erotismo 

 

na boca os dedos são dentes de ouro 



 

IX.

nas mãos vermelhas a febre continua 

o  desejo irrefreável de, tal qual São Tomé, afundar    o dedo

incrédulo     encosta     toca    apalpa     reconhece    acaricia     rompe  

a pele da pintura

 

o mistério se revela na ponta do dedo



Epílogo

a pintura como destino

 

desmesura


 

com os dedos ainda cerosos posiciona

o vermelho liquefeito sobre o couro malhado

gosta de sentir   nas mãos 

o sangue frio nos olhos da novilha goela abaixo, como rastilho, acende  

língua, esôfago, estômago, intestino

 

as células    sanguíneas      venosas     entintam    

por dentro a carne desponta no rosto  dois rubis 

na boca muda o éter vermelho desenha 

as palavras do poeta na língua entorpecida 

 

o verbo se faz carne

 

também isso é fazer pintura

FICHA TÉCNICA

artista visual Gustavo Magalhães curadoria Fabrícia Jordão produção Rafael Rodrigues

design gráfico Thaíse Amorim e Júlia França montagem FStancik Exposições e Cenotecnia iluminação Fabia Regina assessoria de imprensa Francisco Camolezi fotografia Rafael Dabul

 audiodescrição AllDub Group e Juliana Rios sinalização e impressões Black Produções e Optagraf Editora e Gráfica

Projeto realizado com recursos do Programa de apoio, fomento e incentivo à cultura de Curitiba - Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.

bottom of page